segunda-feira, 14 de março de 2022

Biografias em Rede - Dona Conceição Sardinha - Por Hélio Coelho

DONA CONCEIÇÃO SARDINHA, Memórias Afetivas.

 

                                                                          Hélio Coelho

 

Destacarei apenas alguns momentos de minha convivência com Dona Conceição, sendo certo que teria muito mais para registrar sobre essa grande mulher, poderosa matriarca, notável educadora e corajosa democrata nos tempos sombrios da Ditadura Civil-Militar implantada em 1964.

Ingressei no Curso de História da Faculdade de Filosofia de Campos em 1968, e logo no primeiro ano a figura de Dona Conceição nos deslumbrava com as aulas de Introdução aos Estudos Históricos. Ela era uma agitadora intelectual abrindo para a turma cenários que nem imaginávamos que que pudessem existir em nossa formação de historiadores e professores de História. Ela era enciclopédica, multi, transdisciplinar... Como Professora e Chefe do Departamento, percebi que ela era o dínamo gerador da energia do Curso de História! Ficamos amigos. Em 1971, no último ano do Curso, ela me convidou para ser Professor do Liceu de Humanidades de Campos, com a responsabilidade substituir o Professor Dr. Aldano Séllos de Barros que havia recomendado meu nome para assumir suas turmas no Curso Clássico em face de sua aposentadoria. Gratidão é a palavra aos dois, para sempre.

Dona Conceição tinha uma visão revolucionária em relação à construção do corpo docente do Curso de História da FAFIC, diga-se de passagem, modéstia à parte, um curso respeitado no MEC e em várias partes do Brasil como pudemos perceber em vários encontros, cursos e congressos de âmbito regional e nacional nos anos 70, 80 e 90... Ela observava os alunos e alunas que se destacavam e então vinha o convite para assumir uma disciplina no Curso. Sr. Abreu, Dumas, Hélio, Marluce, Maria Nilza, Eu, Soffiati, Humbertinho, José Fernando, e outros/as, e assim ia mesclando os/as mestres tradicionais com os/as novos/as apaixonados/as pela História resultando num corpo docente entusiasmado e com elevado comprometimento com o ensino da História. Mais uma vez, minha gratidão a ela pois ser Professor do Curso de História da Faculdade de Filosofia de Campos em 1973, com vinte poucos anos, foi um grande impulso em minha carreira profissional. Ali permaneci até 1991.

Dona Conceição, a Diretora do Liceu nos anos 70, anos de chumbo, período de grande repressão do Regime Militar... com uma “Reforma do Ensino” imposta pela Ditadura via decreto-lei 5692/71 descaracterizando o Científico e o Clássico, tornando o “ensino médio” Profissionalizante sem dar as mínimas condições para isso, numa visível manobra de despolitização da juventude e sua inserção no “mercado” capetalista que se apresentava como a redenção, o “milagre brasileiro”; sob os efeitos da tirania do Ato Institucional nº 5, de 1968 e seus penduricalhos decretos 477 e 422 proibindo a política estudantil nas escolas e universidades, cerceando diretórios acadêmicos e transformando combativos grêmios em mansos “Centros Cívicos”, tudo isso para dizer o seguinte: um dia Dona Conceição me chamou no gabinete e disse sem rodeios que desejava recriar o combativo espírito da LAECE, a gloriosa associação de estudantes liceistas fechada pela Ditadura e transformada em acomodado Centro Cívico, ainda que ostentando o nome de  Professor João Batista Tavares da Hora, um nome de respeito na história do Liceu e de Campos dos Goytacazes. Continuando, ela me disse: Hélio, quero que você assuma a condição de Professor Coordenador do Centro Cívico e mobilize os/as estudantes ao invés dessa fantasia que está aí. Pode fazer, tem meu total apoio! Aceitei o desafio e apresentei uma ideia arrojada para o momento que a deixou fascinada! Corria o ano de 1974, tudo era divino, maravilhoso, mas era também muito perigoso... Disse-lhe: Dona Conceição, vamos fazer uma eleição direta para o Centro Cívico! Vamos fazer um título eleitoral para cada aluno/a do Liceu, vamos estimular a criação de dois “partidos”, um moderado e outro mais radical... vamos marcar um calendário eleitoral culminando com um debate no auditório entre os candidatos. Os olhos delas brilharam e com aquele seu jeitão disse: Vamos fazer! Essa é a Democracia Liceista! Foi um sucesso, uma participação intensa, um alvoroço que me deixou muito feliz, com o surgimento de lideranças com Pascoutto, Mário Filho, Lincoln, e tantos/as outros/as defendendo o PDE-Partido Democrático Estudantil e o PEL-Partido Estudantil Liceista... em plena Ditadura Militar...Fizemos os títulos eleitorais iguais aos originais, preparamos cédulas rubricadas pela diretora, a campanha agitou o cotidiano do Liceu, o debate foi um espetáculo cívico-democrático, e Dona Conceição vibrava o tempo todo. Procurei o Juiz Eleitoral e expliquei o que estava acontecendo e pedi que ele nos emprestasse as urnas das eleições reais e as cortinas das cabines eleitorais e ele...achou tudo uma maravilha e inclusive compareceu no dia da eleição. Acho que se chamava Genarino Pignataro, um Juiz corajoso pois o Judiciário estava cerceado pelo AI-5. Bem, sob minha coordenação, realizamos mais duas eleições... Dona Conceição deixou a direção e não sei bem o que aconteceu pois quem assumiu em seu lugar não tinha o seu entusiasmo com as práticas democráticas naqueles tempos sombrios. Fica aí o registro da Conceição Sardinha corajosa e democrática!

Dona Conceição tinha esse temperamento rebelde, libertário, ainda que no exercício do dever profissional fosse extremamente severa, rigorosa, cumpridora das regras estabelecidas para o exercício profissional, seja como Professora, Diretora ou Chefe do Departamento. Mas é que ela sabia “endurecer sem perder a ternura”... Estou dizendo isso porque se por um lado foi crítica da Ditadura, ela nunca escondeu seu patriotismo sincero, seu amor ao Brasil. E quando chegava o tempo dos desfiles cívicos de 7 de Setembro lá esta ela agitando os ensaios e conclamando alunos/as, professores/as e funcionários/as do Liceu para o glorioso desfile. Ela sabia que o povo de Campos só saia das ruas depois que o Liceu passasse com seu garbo, sua banda fantástica e os aplausos ao longo das ruas e avenidas...Ela sabia que o regime autoritário era transitório no tempo histórico, mas que o Liceu era marcado pela sina da eternidade. Acho que quando ela partiu na direção de todas as respostas ela partiu com a sensação de que estava indo pro Céu ouvindo os aplausos do povo e os acordes da Banda Marcial do Liceu de Humanidades de Campos.












Hélio Coelho Professor da UFF-Campos/Serviço Social, Membro da Academia Campista de Letras e da Associação de Autores e Autores Campistas. Mestrando em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas (PPGDAP-UFF-Campos/Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional).


Fotos:



Dona Conceição com professore Dulce Drumont e Hélio Coelho com grupo de alunos do científico.


Título de eleitor do Grêmio Estudantil de Wélliton Rangel, hoje reconhecido fotógrafo.




 

 

 








 

 

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