DONA
CONCEIÇÃO SARDINHA, Memórias
Afetivas.
Hélio Coelho
Destacarei apenas
alguns momentos de minha convivência com Dona Conceição, sendo certo que teria
muito mais para registrar sobre essa grande mulher, poderosa matriarca, notável
educadora e corajosa democrata nos tempos sombrios da Ditadura Civil-Militar
implantada em 1964.
Ingressei no Curso de
História da Faculdade de Filosofia de Campos em 1968, e logo no primeiro ano a
figura de Dona Conceição nos deslumbrava com as aulas de Introdução aos Estudos
Históricos. Ela era uma agitadora intelectual abrindo para a turma cenários que
nem imaginávamos que que pudessem existir em nossa formação de historiadores e
professores de História. Ela era enciclopédica, multi, transdisciplinar... Como
Professora e Chefe do Departamento, percebi que ela era o dínamo gerador da
energia do Curso de História! Ficamos amigos. Em 1971, no último ano do Curso,
ela me convidou para ser Professor do Liceu de Humanidades de Campos, com a
responsabilidade substituir o Professor Dr. Aldano Séllos de Barros que havia
recomendado meu nome para assumir suas turmas no Curso Clássico em face de sua
aposentadoria. Gratidão é a palavra aos dois, para sempre.
Dona Conceição tinha
uma visão revolucionária em relação à construção do corpo docente do Curso de
História da FAFIC, diga-se de passagem, modéstia à parte, um curso respeitado
no MEC e em várias partes do Brasil como pudemos perceber em vários encontros,
cursos e congressos de âmbito regional e nacional nos anos 70, 80 e 90... Ela
observava os alunos e alunas que se destacavam e então vinha o convite para
assumir uma disciplina no Curso. Sr. Abreu, Dumas, Hélio, Marluce, Maria Nilza,
Eu, Soffiati, Humbertinho, José Fernando, e outros/as, e assim ia mesclando
os/as mestres tradicionais com os/as novos/as apaixonados/as pela História
resultando num corpo docente entusiasmado e com elevado comprometimento com o ensino
da História. Mais uma vez, minha gratidão a ela pois ser Professor do Curso de
História da Faculdade de Filosofia de Campos em 1973, com vinte poucos anos,
foi um grande impulso em minha carreira profissional. Ali permaneci até 1991.
Dona Conceição, a
Diretora do Liceu nos anos 70, anos de chumbo, período de grande repressão do
Regime Militar... com uma “Reforma do Ensino” imposta pela Ditadura via
decreto-lei 5692/71 descaracterizando o Científico e o Clássico, tornando o
“ensino médio” Profissionalizante sem dar as mínimas condições para isso, numa
visível manobra de despolitização da juventude e sua inserção no “mercado” capetalista
que se apresentava como a redenção, o “milagre brasileiro”; sob os efeitos da
tirania do Ato Institucional nº 5, de 1968 e seus penduricalhos decretos 477 e
422 proibindo a política estudantil nas escolas e universidades, cerceando
diretórios acadêmicos e transformando combativos grêmios em mansos “Centros
Cívicos”, tudo isso para dizer o seguinte: um dia Dona Conceição me chamou no
gabinete e disse sem rodeios que desejava recriar o combativo espírito da
LAECE, a gloriosa associação de estudantes liceistas fechada pela Ditadura e
transformada em acomodado Centro Cívico, ainda que ostentando o nome de Professor João Batista Tavares da Hora, um
nome de respeito na história do Liceu e de Campos dos Goytacazes. Continuando,
ela me disse: Hélio, quero que você assuma a condição de Professor Coordenador
do Centro Cívico e mobilize os/as estudantes ao invés dessa fantasia que está
aí. Pode fazer, tem meu total apoio! Aceitei o desafio e apresentei uma ideia
arrojada para o momento que a deixou fascinada! Corria o ano de 1974, tudo era
divino, maravilhoso, mas era também muito perigoso... Disse-lhe: Dona Conceição,
vamos fazer uma eleição direta para o Centro Cívico! Vamos fazer um título
eleitoral para cada aluno/a do Liceu, vamos estimular a criação de dois
“partidos”, um moderado e outro mais radical... vamos marcar um calendário
eleitoral culminando com um debate no auditório entre os candidatos. Os olhos
delas brilharam e com aquele seu jeitão disse: Vamos fazer! Essa é a Democracia
Liceista! Foi um sucesso, uma participação intensa, um alvoroço que me deixou
muito feliz, com o surgimento de lideranças com Pascoutto, Mário Filho,
Lincoln, e tantos/as outros/as defendendo o PDE-Partido Democrático Estudantil
e o PEL-Partido Estudantil Liceista... em plena Ditadura Militar...Fizemos os
títulos eleitorais iguais aos originais, preparamos cédulas rubricadas pela
diretora, a campanha agitou o cotidiano do Liceu, o debate foi um espetáculo
cívico-democrático, e Dona Conceição vibrava o tempo todo. Procurei o Juiz
Eleitoral e expliquei o que estava acontecendo e pedi que ele nos emprestasse
as urnas das eleições reais e as cortinas das cabines eleitorais e ele...achou
tudo uma maravilha e inclusive compareceu no dia da eleição. Acho que se
chamava Genarino Pignataro, um Juiz corajoso pois o Judiciário estava cerceado
pelo AI-5. Bem, sob minha coordenação, realizamos mais duas eleições... Dona
Conceição deixou a direção e não sei bem o que aconteceu pois quem assumiu em
seu lugar não tinha o seu entusiasmo com as práticas democráticas naqueles
tempos sombrios. Fica aí o registro da Conceição Sardinha corajosa e democrática!
Dona Conceição tinha esse temperamento rebelde, libertário, ainda que no exercício do dever profissional fosse extremamente severa, rigorosa, cumpridora das regras estabelecidas para o exercício profissional, seja como Professora, Diretora ou Chefe do Departamento. Mas é que ela sabia “endurecer sem perder a ternura”... Estou dizendo isso porque se por um lado foi crítica da Ditadura, ela nunca escondeu seu patriotismo sincero, seu amor ao Brasil. E quando chegava o tempo dos desfiles cívicos de 7 de Setembro lá esta ela agitando os ensaios e conclamando alunos/as, professores/as e funcionários/as do Liceu para o glorioso desfile. Ela sabia que o povo de Campos só saia das ruas depois que o Liceu passasse com seu garbo, sua banda fantástica e os aplausos ao longo das ruas e avenidas...Ela sabia que o regime autoritário era transitório no tempo histórico, mas que o Liceu era marcado pela sina da eternidade. Acho que quando ela partiu na direção de todas as respostas ela partiu com a sensação de que estava indo pro Céu ouvindo os aplausos do povo e os acordes da Banda Marcial do Liceu de Humanidades de Campos.
Hélio Coelho Professor da UFF-Campos/Serviço Social, Membro da Academia Campista de Letras e da Associação de Autores e Autores Campistas. Mestrando em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas (PPGDAP-UFF-Campos/Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional).
Fotos:
Adorei o texto do professor Helinho...D.Conceição foi um ser ímpar e uma excelente professora...fui sua aluna na Fafic.
ResponderExcluirExcelente texto!
ResponderExcluirTempos bons!
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