CONCEIÇÃO
SARDINHA, a quatro mãos
Eleonora
Aguiar e Sylvia Paes
Nascida em 13 de março
de 1936 em Campos dos Goytacazes, a menina Conceição de Maria, filha de Pedro
Lima Sardinha e Sílvia Viveiros Sardinha, faleceu aos 64 anos de idade, em 21
de fevereiro de 1999, vítima de ataque cardíaco, tendo sido velada no Liceu de
Humanidades de Campos, escola da qual foi professora e diretora.
Sua mãe foi professora
de culinária na escola estadual Nilo Peçanha onde ensinava os afamados doces
finos campistas e bolos para casamentos. Seu pai era contador de várias Usinas
na região, como a de Outeiro e Sapucaia, podendo dar às suas filhas uma vida de
conforto e oportunidades.
Foi casada com Fernando
Azevedo com o qual teve os filhos Luiz Fernando, Silvia Cristina, Luiza, Eneida
e Pedro.
Os seus avós maternos eram Sebastião
Viveiros de Vasconcelos e Maria Moll de Vasconcelos; ele era professor de
Português, autor do caderno de verbos que até os dias de hoje é editado,
mediante as devidas atualizações da língua portuguesa. Este fato constata a sua
competência profissional (100 anos do caderno de verbos).
O professor Viveiros foi o primeiro
homem a advogar as causas de Campos, já que na região não havia advogado e ele
detinha os conhecimentos necessários, tendo sido, para tanto, autorizado pelo
governo do estado por honoris saber.
A vovó Maria foi mulher austera e exigente, grande pianista, que compôs
a parte de piano, com Thiers Cardoso, da “Marcha Brasil”, tocada em todo a país
na época da I Guerra Mundial e é uma das mais aplaudidas quando executada pelas
bandas centenárias locais.
Conceição sempre foi boa aluna e tinha interesse por várias áreas do
conhecimento. Formou-se em piano no Conservatório de Música de Campos. Seu hobbie era a fotografia e para se
aprimorar fez vários cursos, chegando a ter um laboratório para revelar suas
obras em casa. Naquela época, não existiam fotografias coloridas: ela as
coloria à mão.
Conceição fez o curso
ginasial e o normal no Centro Educacional Nossa Senhora Auxiliadora onde sempre
se destacou pela sua brilhante inteligência e seu temperamento extrovertido.
Cursou Geografia e História na Universidade Santa Úrsula - USU -, no Rio de
Janeiro. Foi uma das responsáveis pela criação da Faculdade de Filosofia de Campos,
a FAFIC, e também pelo curso de História, do qual foi a primeira chefe de
Departamento, cargo que ocupou por vinte e cinco anos, sempre vencendo as
eleições. Foi professora titular de História Antiga e presidente da ADOFIC -
Associação dos Docentes da Faculdade de Filosofia.
Como assessora, no Departamento de
Cultura da PMCG, ajudou a elaborar o projeto de “Cem anos da Abolição” e o
“City Tour” que levava alunos da rede pública para conhecer os principais
pontos históricos da cidade.
Foi primeira diretora (mulher)
do Liceu de Humanidades de Campos - LHC. A primeira mulher a usar calças
compridas no centro da cidade: quando desceu do bonde, na praça São Salvador, ao chegar do Rio de Janeiro, aos
dezenove anos (1954), foi um escândalo. Seu jeito extrovertido não excluía uma
personalidade séria e reflexiva. Ela fazia sempre uma grande festa no
aniversário do Liceu. Havia missa em ação de graças na Catedral: os alunos com
uniforme de gala e os professores não menos elegantes. O Orfeão Juca Chagas,
regido por Dona Alcídia Perez Pia, contava com inúmeras peças em latim,
encerrando com o hino do Liceu, acompanhado por toda a igreja. A emoção era
grande em todos os corações e não era raro encontrar lágrimas nas faces dos presentes.
Era um grande orgulho ser Liceísta.
Segundo sua sobrinha
Eleonora, uma coisa curiosa sobre Conceição Sardinha é que ela se dizia ateia,
mas, foram encontradas em sua biblioteca várias bíblias, o Alcorão, O Evangelho
Segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos de Allan Kardec, ou seja, ela era
uma autêntica pesquisadora e buscava a verdade sobre a existência humana.
Uma mulher muito
ousada, efusiva, gostava de falar alto, gesticulando, e era sempre encontrada
rindo dos acontecimentos do dia. Como sua aluna no curso de história, eu,
Sylvia, lembro-me de várias passagens, mas vou destacar duas: uma delas é que
ela aplicava suas provas reunindo a turma de mais ou menos uns quarenta e
poucos alunos no auditório da faculdade, naquela época funcionando no Parque
Leopoldina, rua Visconde de Alvarenga. Chegava pontualmente, distribuía as
folhas de papel almaço[1]
fornecidas pela instituição, ditava a única questão da prova e saía da sala -
algumas vezes ia até a casa para alimentar os filhos ou cuidar de algum
adoentado. E tome nariz de Cleópatra. Tomando por base o escrito de Pascal que “se
o nariz de Cleópatra fosse menor, a história do mundo seria diferente”. A turma
se olhava, folheava os livros (sim, ela permitia consulta em suas provas) e
nada... Eram quatro horas de tortura e, exaustos de tanto pensar, discutir e
questionar, acabávamos escolhendo qualquer coisa para escrever, para não deixar
o papel em branco - e olha que ela exigia que todo o papel dado fosse
preenchido. Mas acabávamos encontrando a resposta.
Outra passagem foi com
um colega que acreditávamos ser “dedo duro”, informante do SNI - Serviço
Nacional de Informação -, atuante na ditadura militar, isso porque o dito cujo
era bem riponga no vestir, nunca tinha caderno ou caneta, não tinha amigos
próximos e aparecia e sumia misteriosamente. Pois que em uma prova ela deu nota
dois para o suposto informante e ainda perguntou se estava bom pra ele. Sorrindo,
ele respondeu que estava bom, sim, só não sabia se Humberto ia gostar. Humberto era
o aluno nota dez do curso de história, o queridinho de todos os professores e
colegas. Como dona Conceição costumava se ausentar durante as provas, o tal
“informante” procurou Humbertinho e pediu-lhe que fizesse a prova pra ele. A
turma, em expectativa, relaxou com a gargalhada estrondosa de Conceição que
saiu puxando o colega pelo braço, levando-o até a sala de professores onde
contou o ocorrido na maior galhofa. Contaram-me que, no caminho de volta, eles
encontraram Humberto, que, pálido, nem ousava olhar para a professora, porém
ele também relaxou quando ela, rindo, disse que o tal “informante” merecia
mesmo nota dois por pelo menos ter assinado a folha de prova: ela tinha certeza
de que ele seria incapaz de ter escrito aquela prova, mas Humbertinho merecia,
sim, nota dez.
Nas palavras da
professora Maria Emília Azevedo, Conceição passou a vida fazendo amigos e por
isso sempre rimou com perdão, conciliação e concessão. Sua amiga e também
professora de história, Marluce Guimarães, lembra seu gosto em participar dos
acontecimentos culturais da cidade e sua alegria constante.
Deixou publicado o
livro “História Romana: as tentativas de reformas dos irmãos Graco”, estudo
sobre a situação agrária no II século a.C., de 1963.
Foi homenageada pela
municipalidade, nomeando uma rua no Parque Prado, CEP
28021307, logo depois do bairro da Penha.
Referências
Jornal
Folha da Manhã – Folha 2 de 23 de fevereiro de 1999.
Jornal
Folha da Manhã – 04 de março de 1999, p. 2.
Jornal
A Cidade – Ano 65 – nº 282 de 23 de fevereiro de 1999, p. 1 e 5.
ARQUIVO DE FOTOS:
Conceição Sardinha, diretora do Liceu de Humanidades de Campos, e o professor Hélio Coelho, em desfile cívico de sete de setembro, na época realizado na Av. Alberto Torres.
Primeiro aniversário do Liceu de Humanidades de Campos sob a direção de Conceição Sardinha, com apresentação da famosa Banda Marcial. Podemos ver: Conceição Sardinha e seu esposo Fernando Azevedo, Padre Afonso, Carlos Paes (atrás),Zaíra Barbosa, José Carlos Vieira Barbosa (Zezé Barbosa), Ivete Beda,Vilma Rangel (atrás), Maria Rita Abreu,Ivani Medina, Mariza Sardinha (irmã de Conceição), Eleonora Aguiar (sobrinha de Conceição, filha de Mariza), ao lado dela Silvia e na frente Luiza, ambas filhas de Conceição.
Conceição
Sardinha, com o prêmio, representando como patrona do time de futebol da Usina
Novo Horizonte de Rio Preto, em campeonatolocal.
Tive o privilégio de conhecer Conceição e dela ganhei um livro de sua autoria. Pessoa talentosa e querida!Fez história e deixou saudades.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, autoras campistas!
Bela homenagem.Pude trabalhar com ela no Liceu e na Fafic.Deixou conosco lembranças de sua alegria e competência.
ResponderExcluirPrimoroso trabalho de resgate da nossa cultura e de quem deixou sua marca e fez história.
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