segunda-feira, 7 de março de 2022

Biografias em Rede - Conceição Sardinha

CONCEIÇÃO SARDINHA, a quatro mãos

 

Eleonora Aguiar e Sylvia Paes

 

Nascida em 13 de março de 1936 em Campos dos Goytacazes, a menina Conceição de Maria, filha de Pedro Lima Sardinha e Sílvia Viveiros Sardinha, faleceu aos 64 anos de idade, em 21 de fevereiro de 1999, vítima de ataque cardíaco, tendo sido velada no Liceu de Humanidades de Campos, escola da qual foi professora e diretora.

Sua mãe foi professora de culinária na escola estadual Nilo Peçanha onde ensinava os afamados doces finos campistas e bolos para casamentos. Seu pai era contador de várias Usinas na região, como a de Outeiro e Sapucaia, podendo dar às suas filhas uma vida de conforto e oportunidades.

Foi casada com Fernando Azevedo com o qual teve os filhos Luiz Fernando, Silvia Cristina, Luiza, Eneida e Pedro.

           Os seus avós maternos eram Sebastião Viveiros de Vasconcelos e Maria Moll de Vasconcelos; ele era professor de Português, autor do caderno de verbos que até os dias de hoje é editado, mediante as devidas atualizações da língua portuguesa. Este fato constata a sua competência profissional (100 anos do caderno de verbos).

           O professor Viveiros foi o primeiro homem a advogar as causas de Campos, já que na região não havia advogado e ele detinha os conhecimentos necessários, tendo sido, para tanto, autorizado pelo governo do estado por honoris saber.

A vovó Maria foi mulher austera e exigente, grande pianista, que compôs a parte de piano, com Thiers Cardoso, da “Marcha Brasil”, tocada em todo a país na época da I Guerra Mundial e é uma das mais aplaudidas quando executada pelas bandas centenárias locais.

Conceição sempre foi boa aluna e tinha interesse por várias áreas do conhecimento. Formou-se em piano no Conservatório de Música de Campos. Seu hobbie era a fotografia e para se aprimorar fez vários cursos, chegando a ter um laboratório para revelar suas obras em casa. Naquela época, não existiam fotografias coloridas: ela as coloria à mão.

Conceição fez o curso ginasial e o normal no Centro Educacional Nossa Senhora Auxiliadora onde sempre se destacou pela sua brilhante inteligência e seu temperamento extrovertido. Cursou Geografia e História na Universidade Santa Úrsula - USU -, no Rio de Janeiro. Foi uma das responsáveis pela criação da Faculdade de Filosofia de Campos, a FAFIC, e também pelo curso de História, do qual foi a primeira chefe de Departamento, cargo que ocupou por vinte e cinco anos, sempre vencendo as eleições. Foi professora titular de História Antiga e presidente da ADOFIC - Associação dos Docentes da Faculdade de Filosofia.

Como assessora, no Departamento de Cultura da PMCG, ajudou a elaborar o projeto de “Cem anos da Abolição” e o “City Tour” que levava alunos da rede pública para conhecer os principais pontos históricos da cidade.

Foi primeira diretora (mulher) do Liceu de Humanidades de Campos - LHC. A primeira mulher a usar calças compridas no centro da cidade: quando desceu do bonde, na praça  São Salvador, ao chegar do Rio de Janeiro, aos dezenove anos (1954), foi um escândalo. Seu jeito extrovertido não excluía uma personalidade séria e reflexiva. Ela fazia sempre uma grande festa no aniversário do Liceu. Havia missa em ação de graças na Catedral: os alunos com uniforme de gala e os professores não menos elegantes. O Orfeão Juca Chagas, regido por Dona Alcídia Perez Pia, contava com inúmeras peças em latim, encerrando com o hino do Liceu, acompanhado por toda a igreja. A emoção era grande em todos os corações e não era raro encontrar lágrimas nas faces dos presentes. Era um grande orgulho ser Liceísta.

Segundo sua sobrinha Eleonora, uma coisa curiosa sobre Conceição Sardinha é que ela se dizia ateia, mas, foram encontradas em sua biblioteca várias bíblias, o Alcorão, O Evangelho Segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos de Allan Kardec, ou seja, ela era uma autêntica pesquisadora e buscava a verdade sobre a existência humana.

Uma mulher muito ousada, efusiva, gostava de falar alto, gesticulando, e era sempre encontrada rindo dos acontecimentos do dia. Como sua aluna no curso de história, eu, Sylvia, lembro-me de várias passagens, mas vou destacar duas: uma delas é que ela aplicava suas provas reunindo a turma de mais ou menos uns quarenta e poucos alunos no auditório da faculdade, naquela época funcionando no Parque Leopoldina, rua Visconde de Alvarenga. Chegava pontualmente, distribuía as folhas de papel almaço[1] fornecidas pela instituição, ditava a única questão da prova e saía da sala - algumas vezes ia até a casa para alimentar os filhos ou cuidar de algum adoentado. E tome nariz de Cleópatra. Tomando por base o escrito de Pascal que “se o nariz de Cleópatra fosse menor, a história do mundo seria diferente”. A turma se olhava, folheava os livros (sim, ela permitia consulta em suas provas) e nada... Eram quatro horas de tortura e, exaustos de tanto pensar, discutir e questionar, acabávamos escolhendo qualquer coisa para escrever, para não deixar o papel em branco - e olha que ela exigia que todo o papel dado fosse preenchido. Mas acabávamos encontrando a resposta.

Outra passagem foi com um colega que acreditávamos ser “dedo duro”, informante do SNI - Serviço Nacional de Informação -, atuante na ditadura militar, isso porque o dito cujo era bem riponga no vestir, nunca tinha caderno ou caneta, não tinha amigos próximos e aparecia e sumia misteriosamente. Pois que em uma prova ela deu nota dois para o suposto informante e ainda perguntou se estava bom pra ele. Sorrindo, ele respondeu que estava bom, sim, só  não sabia se Humberto ia gostar. Humberto era o aluno nota dez do curso de história, o queridinho de todos os professores e colegas. Como dona Conceição costumava se ausentar durante as provas, o tal “informante” procurou Humbertinho e pediu-lhe que fizesse a prova pra ele. A turma, em expectativa, relaxou com a gargalhada estrondosa de Conceição que saiu puxando o colega pelo braço, levando-o até a sala de professores onde contou o ocorrido na maior galhofa. Contaram-me que, no caminho de volta, eles encontraram Humberto, que, pálido, nem ousava olhar para a professora, porém ele também relaxou quando ela, rindo, disse que o tal “informante” merecia mesmo nota dois por pelo menos ter assinado a folha de prova: ela tinha certeza de que ele seria incapaz de ter escrito aquela prova, mas Humbertinho merecia, sim, nota dez.

Nas palavras da professora Maria Emília Azevedo, Conceição passou a vida fazendo amigos e por isso sempre rimou com perdão, conciliação e concessão. Sua amiga e também professora de história, Marluce Guimarães, lembra seu gosto em participar dos acontecimentos culturais da cidade e sua alegria constante.

Deixou publicado o livro “História Romana: as tentativas de reformas dos irmãos Graco”, estudo sobre a situação agrária no II século a.C., de 1963.

Foi homenageada pela municipalidade, nomeando uma rua no Parque Prado, CEP 28021307, logo depois do bairro da Penha.

 

Referências

Jornal Folha da Manhã – Folha 2 de 23 de fevereiro de 1999.

Jornal Folha da Manhã – 04 de março de 1999, p. 2.

Jornal A Cidade – Ano 65 – nº 282 de 23 de fevereiro de 1999, p. 1 e 5.

 

 

 

 

 

 

 

ARQUIVO DE FOTOS:






















Conceição Sardinha, diretora do Liceu de Humanidades de Campos, e o professor Hélio Coelho, em desfile cívico de sete de setembro, na época realizado na Av. Alberto Torres.


Primeiro aniversário do Liceu de Humanidades de Campos sob a direção de Conceição Sardinha, com apresentação da famosa Banda Marcial. Podemos ver: Conceição Sardinha e seu esposo Fernando Azevedo, Padre Afonso, Carlos Paes (atrás),Zaíra Barbosa, José Carlos Vieira Barbosa (Zezé Barbosa), Ivete Beda,Vilma Rangel (atrás), Maria Rita Abreu,Ivani Medina, Mariza Sardinha (irmã de Conceição), Eleonora Aguiar (sobrinha de Conceição, filha de Mariza), ao lado dela Silvia e na frente Luiza, ambas filhas de Conceição.


 









Conceição Sardinha, com o prêmio, representando como patrona do time de futebol da Usina Novo Horizonte de Rio Preto, em campeonatolocal.



[1] Para informação das novas gerações, o papel almaço era uma folha dupla de papel pautado.

3 comentários:

  1. Tive o privilégio de conhecer Conceição e dela ganhei um livro de sua autoria. Pessoa talentosa e querida!Fez história e deixou saudades.
    Parabéns pelo texto, autoras campistas!

    ResponderExcluir
  2. Bela homenagem.Pude trabalhar com ela no Liceu e na Fafic.Deixou conosco lembranças de sua alegria e competência.

    ResponderExcluir
  3. Primoroso trabalho de resgate da nossa cultura e de quem deixou sua marca e fez história.

    ResponderExcluir